Há quem diga que o trabalho de educadora não envolve criatividade. Afinal de contas, por muito tempo esse trabalho foi reduzido à reprodução dos conteúdos apresentados em cartilhas e livros didáticos. Esse imaginário permanece enraizado em nossa sociedade, o que, dentre muitos outros fatores, também contribui para a desvalorização dessa profissão que mostra-se cada vez mais essencial.
Na Escola Hub, no entanto, isso soa quase como um absurdo. Em muitos âmbitos do trabalho das professoras hubianas, a criatividade é uma habilidade imprescindível.
Nossa proposta pedagógica está construída sobre três pilares, que se comunicam e se complementam: projetos, trilhas de aprendizagem e workshops. A construção de cada um deles exige a mobilização do processo criativo para que possam existir. Neste artigo, pretendo falar mais especificamente sobre o processo de criação das trilhas de aprendizagem, no qual venho me envolvendo desde a segunda metade de 2020.
O raciocínio ao qual estamos acostumados supõe que, para que determinada habilidade possa ser ensinada, é necessário que o planejamento da educadora tenha como ponto de partida a habilidade em questão – e só então se pode pensar na estratégia a ser utilizada para ensiná-la. Na Escola Hub, contudo, nosso foco está na aprendizagem – não no ensino. Por esse motivo, não acreditamos que essa ordem seja uma via de mão única.
O ponto de partida para nós é o interesse das crianças. Ao serem escolhidas as temáticas que darão origem aos projetos-fenômeno, são selecionados assuntos que despertem a curiosidade dos estudantes: eclipses, evolução da tecnologia, superatletas, visão noturna dos animais… – para citar alguns exemplos.
O grande desafio do trabalho criativo das educadoras produtoras de trilhas de aprendizagem pode ser resumido com a seguinte questão: como inserir as habilidades previstas no currículo em um assunto que, à primeira vista, em nada se relaciona com elas? Como aprender sobre divisão de parcelas a partir de um projeto sobre eclipses? Como aprender a comparar figuras planas em um projeto sobre escassez de água?
Em cada trimestre, há um conjunto de habilidades, composto por todos os componentes curriculares, que são desenvolvidas ao longo dos projetos. Como conciliá-las? Como abordar todas de maneira harmônica, instigante e criativa? Essas perguntas começam a ser respondidas com a definição dos fenômenos, um trabalho que é feito de maneira colaborativa a partir da análise dessas habilidades. Após essa primeira definição, é traçado, também colaborativamente, um possível – e já, já entenderemos o porquê da escolha dessa palavra – roteiro do que será abordado em cada etapa do projeto.
Particularmente falando, o meu processo começa com muita, mas muita pesquisa – sim, as educadoras também levam a aprendizagem investigativa muito a sério. É nesse primeiro momento que construo maior familiaridade com o fenômeno em questão e, assim, as possibilidades de incluir as habilidades previstas no currículo começam a ficar mais claras.
Como todo processo criativo, a produção de trilhas de aprendizagem não é linear. As pesquisas vão sendo refeitas, as habilidades revisitadas e, assim, o produto final vai se afastando – ou não – daquilo que havia sido pensado no roteiro inicial. E é aqui que convém usar a palavra “possível”. A flexibilidade é aliada da criatividade, o que faz com que eu me sinta confortável para explorar outros caminhos, para tentar, para errar, até que encontre aquele que me deixe satisfeita.
Assim como não é linear, o processo também está longe de ser contínuo. Em muitos momentos, a criatividade parece adormecer, e, para que ela desperte novamente, é necessário pegar distância, explorar outras perspectivas e, principalmente, trocar. A colaboração se faz presente da primeira à última etapa, e o olhar das outras educadoras mostra-se sempre como um aliado na retomada do potencial criativo. Entender que a criação não precisa ser solitária é um passo importante para a fluidez do trabalho.
Sendo algo não linear e não contínuo, é comum que haja momentos de alta produtividade e outros em que simplesmente nada parece bom; se misturam sentimentos de satisfação e de frustração; mas, ainda que seja repleto de desafios, são justamente esses movimentos – o vai e volta da inspiração, os diferentes rumos que as trilhas tomam e a sensação de ver as habilidades sendo trabalhadas com sentido – que fazem com que o process o criativo seja algo tão prazeroso.
E, para finalizar, quais são as diferenças, então, das educadoras reproduzirem o conteúdo de cartilhas ou livros didáticos e reproduzirem o conteúdo das trilhas de aprendizagem? Em primeiro lugar, as trilhas, por si só, propõem uma experiência que exige envolvimento e investigação por parte dos estudantes. É um caminho proposto, e também não é linear. Além disso, elas não são um material que dita à professora o que ela precisa dizer ou fazer. Em segundo lugar, entram em cena as metodologias ativas. As educadoras têm total liberdade para, a partir dos assuntos abordados nas trilhas ou das habilidades que as compõem, criar outras possibilidades e experiências que vão potencializar a aprendizagem dos estudantes.
Por Ana Keniger
Educadora do Ensino Fundamental 1 | Produtora de Trilhas | Pedagoga formada pela UFRGS | Especialização em Educação Transformadora pela PUC-RS | Hub Três Figueiras | Juiz de Fora - MG